Você pode se ajudar. E ajudar os outros a te ajudarem.

No Brasil, cerca de 8 milhões de pessoas têm problema para engravidar naturalmente; no mundo, são 80 milhões de pessoas. Esses altos números fazem crer, que muito se sabe e se fala sobre infertilidade e toda a crise que ela gera aos indivíduos afetados. Ledo engano: sabe-se e fala-se, para quem pesquisa, sobre dados estatísticos, causas, tratamentos e opções alternativas para os que não obtiveram sucesso com os tratamentos propostos. No entanto, o impacto social, familiar, financeiro, espiritual, físico e psicológico na vida do casal é bem menos reconhecido e considerado. Lamentavelmente, a desinformação cria importantes lacunas na rede de apoio emocional que a família, amigos e até mesmo profissionais da saúde poderiam fornecer aos que atravessam essa dificuldade e sofrimento.

A infertilidade é, para os que sonham gerar um filho – como expressão de todo amor e potência própria e instintiva – uma sentença que aniquila toda a possibilidade; é o fim de um grande sentido de vida, é a perda de um tudo que nem se chega a ter. É um luto. E como tal, doloroso demais. Solitário demais. E incompreendido.

Do momento do diagnóstico até a decisão de iniciar o tratamento, passar por ele, até o de interromper, o casal vivencia um extenuante processo que implica num desgaste físico, mental e econômico. Tudo investido na realização do maior projeto da vida deles. E a cada mês, eles, novamente, esperam, desejam e acreditam que agora tenha dado tudo certo. Mas a menstruação, aquela que já foi sinal de promessa, vêm trazendo frustração, impotência e dor ao casal. E à mulher, que protagoniza a cena do papel vermelho, cabe o horror, a vergonha e a culpa de quem agora se sente seca.

Durante essa longa e dura jornada, a maioria das pessoas não sabe como ajudar, não sabe o que dizer, e menos ainda o que não dizer… Já ouvi mulheres dizerem sobre o quanto é irritante e como se sentem desrespeitadas ouvir consolos e conselhos do tipo: “Ah, mas vocês podem adotar “, “Relaxa, quando vocês esquecerem, engravidam“, “Veja o lado bom: vocês vão poder viajar despreocupados, dormir sem ter hora para acordar “. Há ainda os que, com boa intenção, recorrem à sabedoria da Natureza ou Divina com “Deus sabe o que faz; talvez não era pra ser “. Mesmo que tudo seja verdadeiro, para o casal, por mais resignado que sejam, enquanto se está vivendo o processo, qualquer comentário parecido é cruel, e agride mais do que conforta.

O fato é que mencionar a possibilidade de adoção, compete aos muito íntimos que sabem quando lançar a ideia e a melhor maneira de fazê-lo; normalmente, o casal considera essa possibilidade depois que atravessou o luto pela perda do filho biológico. Também a crença no “relaxamento” e no “esquecimento” não deve ser mencionada porque a infertilidade é um problema médico e tais comentários geram mais estresse, e as mulheres tendem a sentir que estão fazendo algo errado quando, de fato, a chance maior é de que o problema seja físico. Carro grande, malas, fraldas, birras e chupetas não parecem um desprazer para o casal que sonha, desesperadamente, poder viajar com os filhos. Nem tampouco a visão de si mesmos com sono e olheiras; visão esta que logo é substituída pela deliciosa imagem do ninho de mafagáfos. Os comentários religiosos parecem ser os mais cruéis e os mais mal recebidos porque insinuam que Deus “me fez infértil porque eu não saberia ser boa mãe”. E o debate sobre o aborto está aí para provar esta inverdade.

Bom, se tudo isso lhe parece familiar, você provavelmente sente na pele todo mal estar que advém do não saber do outro sobre como te ajudar, acrescido ao seu sofrimento. O fato das pessoas ao seu entorno, que certamente sentem e lamentam seu infortúnio, não saberem te ajudar da maneira que você precisa, não significa que você não possa pedir e até mesmo ensiná-las. Para tanto, se faz necessário que você reconheça sua dor, suas necessidades, seu luto, e que busque o espaço seguro da terapia para que possa dar voz, livre e espontaneamente, a toda fala e grito silenciado. Estando em processo, você se sentirá mais segura e à vontade para escolher um ou dois membros da sua família, assim como amigas mais próximas, para compartilhar sua experiencia e pedir a cada uma a ajuda que você precisa da maneira que você espera. É preciso que haja uma comunicação aberta. Dentro de um sistema familiar, a vivência da infertilidade por um de seus membros pode tanto prejudicar as interações por causa da proibição velada de se falar sobre, por causa do distanciamento e evitação, como pode fortalecer os vínculos e promover bem estar e crescimento para todos. Quando a família e os amigos encontram espaço para serem ajuda, conseguem superar a própria dificuldade de serem testemunhas do seu drama e sofrimento e se revelam suportivos, compreensivos e disponíveis para estar com você da maneira carinhosa e respeitosa que você precisa e merece.

Portanto, se pegue no colo. E ensina aos que se importam, como e onde você gosta de cafuné.

Texto: Psicóloga – Hélia Regina Caixeta – @heliapsi

Vamos dar nome as coisas: você está passando por um processo de luto.

Muito se fala do luto pela morte de alguém mas pouco se fala dos chamados “lutos não-reconhecidos” perpetuando assim seu lugar de não reconhecimento!

A gente se enluta pelas nossas perdas do caminho. E você que está me lendo agora provavelmente está enlutada por ter perdido a chance de exercer uma maternidade que você esperava viver. Por ter perdido a chance de viver o gerar um filho e a maternidade.

Lutos são processos difíceis, cheios de emoções diversas, como tristeza, raiva, apatia ou saudade – inclusive do que poderia/deveria ter sido e não foi. Tem momentos que dá inveja de quem tem o que perdemos. Tem momentos que dá angústia por não entender as razões de não termos. Tem momentos de se deparar com a impotência de não poder fazer mais nada sobre o tema, do não-controle sobre os aspectos biológicos e genéticos do nosso corpo, de sua aderência limitada ou não aderência aos procedimentos. Existe a tristeza da frustração, a raiva diante dos fatos, a falta de perspectiva para seguir em frente e invasão dos pensamentos sobre como era para tudo ter sido. E no meio de tudo isso existem momentos da vida que ficamos alegres, que nos apaixonamos, que progredimos no trabalho, que rimos com nossos amigos, que fazemos uma boa viagem ou comemos uma boa comida… Existe dor, mas também existe prazer. Existe ausência mas também existe vida, a nossa vida.

Não, você não está enlouquecendo. Não, você não está oscilando de humor. Você está vivendo um processo que tem nome: luto. E que se orienta como um pêndulo – horas muito conectado com os sentimentos da perda e horas muito conectado com o sentimento da vida que prossegue, horas conectada com o fato de ser uma árvore que não deu frutos mas também horas conectada com a beleza de ser uma árvore que ainda assim dá flor.

Luto é um processo, cheio de dias, uns mais fáceis, outros mais difíceis, uns com mais sentido e outros que parecem absolutamente sem perspectiva. Ele não passa de uma hora pra outra ou como um passe de mágica. De fato, vamos ter que viver as nossas mortes, reais ou simbólicas. De fato, é possível que vejamos nossas folhas caírem, nossos galhos balançarem ao vento da tempestade e choremos em cima de nossas raízes – mas também é possível que com essa mesma água e essa renovação possamos dar flor. Dar flor é perceber que ainda somos capazes de beleza, que ainda há perfume, que ainda se aproximam os pássaros atrás do pólen. Dar flor são os dias que ainda são bons, que ainda nos abraçam, que há quem cuide e escute nossa dor.

Adélia Prado diz em um poema: “Deus de vez em quando me tira a poesia, olho para a pedra e só vejo pedra mesmo”. Para esses dias de só ver mesmo pedra e para os de dar flor, estamos aqui como um espaço para você falar dessa dor que sente, dessa perda que você viveu e que tem nome: o seu luto. “Lutemos” juntas com ele.

Texto: Psicóloga – Juliana Correia – @psi.julianacorreia